26.2.07

Fome

Eram cinco ao todo e me consumiam com os olhos. Olhos de fome e depressão, da sujeira daquelas ruas, de rancor contido. Me incomodavam.

Porque não iam embora?! Porque não faziam alguma coisa ao invés de ficar só olhando com aquele sofrimento frio?! Porque não choravam, gritavam, e me atacavam furiosos?! Aquela passividade diante do insuportável, do insustentável, me esmagava as vísceras e fazia os punhos tremerem fechados, unhas cravadas na palma da mão.

A dor que me causavam estava me deixando parecido com eles. Contia meu ódio, me conformava com o desconforto. Só olhava de volta com rancor. Quando percebi isso, algo se apossou de mim. Senti meu rosto esquentar. Ofegava.

O ônibus entrou em um túnel, amplificando o barulho já desagradável do motor. O ônibus não tinha lâmpadas e as luzes enfileiradas do túnel faziam tudo piscar em clarões amarelados. Cobertos por sombras e contrastes que faziam aumentar sua feiúra, seus rostos impregnados de repugnância se repetiam em intervalos curtos. Iguais. Estáticos.

Algo quebrou dentro de mim. Me atirei sobre eles como um animal faminto que surge de uma moita em direção ao pescoço de uma presa distraída. Gritava e arremessava meus punhos fechados para seus rostos sujos em ondas de fúria desordenada. Eles nada faziam alem de se encolher, continuavam a me encarar com rancor passivo. Clarão e trevas se revezavam e congelavam as cenas daquele delírio de ódio sem sentido em fotografias de um espetáculo feio e triste.

Quando saímos do túnel, o ar ficou claro e frio e eu já não tinha forças para bater. Minhas mãos, o chão e os assentos; tudo coberto de sangue. Não conseguia mais enxergar seus rostos. O ônibus parou e eles se arrastaram para fora.

Engatinhei até um dos assentos e sentei devagar com a cabeça encostada no vidro. Senti o corpo todo gelar e se dissolver na neblina pálido-azulada que se formava do lado de fora.

Estava gasto. Havia me consumido.

3 comentários:

Anônimo disse...

vamos ver se agora funciona: amo você e seus surtos de estupidez urbana!

Anônimo disse...

ai que delícia que foi essa aula do Rui Geraldo...!!

Anônimo disse...

Nossa, hein, que impactante seu texto. Estou impressionado.