10.12.07

Estado policial

O motorista estaciona em frente ao edifício baixo e amarelo, numa rampa de acesso sob uma marquise semelhante àquelas que vemos em hospitais, projetadas para receber casos de emergência. É um imponente Santana preto desproporcionalmente grande e silencioso.
Descemos meu chefe e eu, ele um sujeito meio baixo, meia idade, meio careca, meio gordo, em terno cinza sem gravata e eu no tradicional preto com listras e nó Windsor. Começo a refletir porque diabos estou estagiando com um delegado de polícia se sou adepto do direito penal mínimo.
Por dentro, a arquitetura do edifício é ainda menos condizente com sua função; mais parece um salão de convenções que uma delegacia. Longas mesas de fórmica empoeirada dão os contornos dos corredores e sobre elas policiais e estagiários debruçam-se sobre montes desorganizados de documentos e computadores extremamente ultrapassados tentando decifrar crimes. Uma espécie de grande evento C.S.I. subdesenvolvido.
Um estagiário gordo, com a cara vermelha marcada de espinhas toda ensebada, a gola amassada pulando para fora do terno verde-petróleo, observa atentamente, sobre o ombro de um homem magro de bigode, um programa da era MS DOS em pequeno monitor bege-sujo e declara, arrogante “é uma mancha oligosférica, conheço poucas pessoas capazes de produzir manchas oligosféricas...”
Quando chegamos à nossa sala, meu chefe dirige-se com um suspiro à sua mesa, retira alguns pequenos documentos da gaveta e começa a lê-los lenta e desordenadamente, como quem não está entendendo mas também não se interessa. À falta de qualquer instrução, dirijo-me à minha pequena escrivaninha, no canto, e passo um tempo entediado observando os tristes porta-disquetes e porta-fichas que a enfeitam.
Tenho vontade de ir ao banheiro e saio sem palavra: o chefe agora parece bastante interessado nos documentos, testa enrugada e sobrancelhas contraídas tentando decifra-los.

Os banheiros ficam na ala em que nós, estagiários, moramos. Esta parte da delegacia não se parece mais com um centro de convenções, mas um alojamento de jogos universitários, embora limpo.
Caminho até os mictórios, nos corredores, mas chega um maquiado grupo de meninas cheias de cochichos e risinhos e me lembro, sem questionar o absurdo, que aqui na delegacia os mictórios são femininos. Saio enquanto as garotas fazem, de forma nada higiênica, suas necessidades.
Estou com a mão na maçaneta do banheiro masculino, mas outra vez sou interrompido por uma menina, esta de camisola. Ela pede licença e entreabre a porta. Posso ver toda sua bunda sob a camisola quando se inclina para dentro e pede, fazendo charme, para entrar. Dois colegas estagiários que cumprem a função de limpar o toalete respondem que não, pois ainda não acabaram o serviço.
Um pouco desesperado, dirijo-me, “já que é assim”, ao banheiro feminino, esquecendo-me completamente que, “já que é assim”, os mictórios do corredor cumpririam muito bem a função.
E não é a toa que estes últimos eram femininos, uma vez que o banheiro das mulheres não tinha privadas. À procura de um vaso, entretanto, tenho uma agradável surpresa. Em uma das várias banheiras que preenchem o ambiente, encontro, tomando banho de biquíni, uma antiga colega de escola que eu queria muito comer durante o ginásio.
“Rosana! Eu não sabia que você também estagiava aqui! Não estava fazendo faculdade de moda?”
“Você está bonito, Lucas! Eu larguei moda porque Direito dá mais futuro. Agora combato os criminosos.”
Abraço-a e a tiro facilmente da banheira, ao que ela responde com uma risadinha assanhada. Cumprimento-a com um beijo na bochecha e fico inseguro quando percebo que estou com hálito de quem acabou de acordar. Ela corresponde quando lhe beijo os lábios mas, “realmente”, se afasta com uma careta do cheiro da minha respiração. “Tenho que ir ao banheiro, beijo”, fujo.
O banheiro masculino já esta limpo. Passo apressado por um homem de cabelo militar sentado no corredor que dá para os vasos sanitários.
O lado de dentro da tampa da privada diz: “Urinar na frente do fiscal não é obrigação apenas dos deficientes físicos.”
Colado na porcelana, logo acima da linha da água, há um outro adesivo cheio de símbolos que mudam de cor e revelam novas figuras conforme urino sobre eles. Sobre a figura de uma folha de maconha surge, em rosa marca-texto, a palavra “limpo”; sobre uma folha de cocaína (seja lá que forma tenha), também; uma escala graduada marca “7” para a acidez da minha urina e pequenas manchas aparecem dentro de um círculo indicando que meu colesterol está baixo. Mijo mais e mais e não fico aliviado.
O jato cai sobre a figura de um óvulo e ele se torna azul. Quase espirro pra fora da privada quando percebo a cara séria do fiscal observando o adesivo por sobre meu ombro.
Assim que guardo meu pinto, ele segura meu braço com força e pergunta sério e intimidador: “Você andou fazendo algum tratamento com células-tronco embrionárias?!”
Acordo assustado apalpando os lençóis ao redor da virilha e suspiro aliviado. É esse tipo de sonho que faz a gente mijar na cama.

1.12.07

Aqui, jogado em Neverland, não posso nem pegar um táxi, comprar chocolate e chorar até que o monstro recupere suas feições humanas e amáveis.

Foi há tão pouco tempo. E, mesmo assim, naquela época ainda éramos amadores no “eu nunca” e eu não saberia escrever este parágrafo corretamente (e agora sei?).

Os blogs iguais, preto e cinza, gatinhos e figuras desproporcionais. E a gente tão diferente. Os surtos de estupidez urbana viraram espasmos de urbanidade estúpida. A adolescente precoce virou mulher criança (ainda que com um ano de atraso).

O tempo passou pra gente, e não foi uma vez só que estivemos à beira do precipício. O que me enche de medo.

Nunca vivi tanto. Ainda sinto que algo maravilhoso pode acontecer em qualquer esquina.
Essas tardes em que reencontro o passado embebido na lassidão de uma adolescência de isolamento rancoroso e procrastinação masturbatória. Me entristece. Tanto desconforto que te dá até preguiça de escrever bem.

Não. Não posso deixar tudo de lado. É tempo de recuperar aquela obstinação apaixonada que inventei pra sobreviver.

Entramos na estação do ano que apaixona, ainda que, desta vez, com um dia de atraso.

6.11.07

hoje

Já há algum tempo tive a idéia de transformar isso aqui em um "querido diário" pra impulsionar um pouco as coisas...

No dia que tive a idéia teria muito mais pra contar e de forma muito mais emocionada, mas é preciso uma tarde de procastinação inútil como esta para que eu ponha as coisas em prática!

Depois de acordar cedo, chegar atrasado e assistir as aulas viáveis de sempre, fui à Santa Ifigênia comprar um artefato verde redondo e grande "sem o qual não podia passar mais um dia". Foi um saco carregar aquilo no ônibus e ler ao mesmo tempo!

Pensando bem, o dia não foi tão inútil assim (inútil no sentido de se sentir culpado). Assisti e anotei as melhores aulas, paguei contas, comprei um lustre e finalmente consegui marcar com um eletricista para vir aqui arrumar a fiação dessa caixa de concreto fabricada na década de 60 (o nome dele é Adriano e o tel. é 71064930, caso eu seja assassinado ou você esteja precisando consertar umas tomadas).

Estou sem grana.

Preciso trabalhar (quatro suaves horas por dia e com direito a folgas...).

26.7.07

Samba e amor

E Lucas descobre a roda...

Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã
Escuto a correria da cidade, que arde
E apressa o dia de amanhã

De madrugada a gente ainda se ama
E a fábrica começa a buzinar
O trânsito contorna a nossa cama, reclama
Do nosso eterno espreguiçar

No colo da bem-vinda companheira
No corpo do bendito violão
Eu faço samba e amor a noite inteira
Não tenho a quem prestar satisfação

Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito mais o que fazer
Escuto a correria da cidade, que alarde
Será que é tão difícil amanhecer?

Não sei se preguiçoso ou se covarde
Debaixo do meu cobertor de lã
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã

Chico Buarque/1969

24.7.07

Meu blog abandonado

A vida em branco

Uma tela negra brilhante
Repleta de cinzas

25.6.07

romântico

A bebida desce doce
vermelha e quente
na boca

em direção
ao ácido frio
de dentro

desfaz os nós e
primeiro vazam lágrimas
em ondas

depois espasmos
volta o vinho
roxo ocre

quase negro

tinto
do quanto sinto
Tão cansado
de ser tão pouco
que não quero
levantar da cama

23.6.07

que artista nos fez assim
de rima metrificada
todo amor à piada
começo meio e fim?

Motel

Agora uma banheira fria e suja dos restos da paixão.
Pelos e cabelos flutuam pela espuma gordurosa. Água cinza-esbranquiçada, da poeira que se escondia nos poros. O sêmem que dissolveu incomoda o corpo nu. A pele gruda em si mesma, o cheiro doce irrita as narinas.

Espaço pequeno. Corpos molhados de rugas frias que já não se conhecem. Ela sai com um beijo duro e rápido em direção ao chuveiro. Um banho curto silencioso.

Espero que vá até a cama para me banhar. Mergulho na ducha de água e vapor e espero sair renovado.
Mas fico morno, mole, cansado.

O doce do esperma invade o quarto. A banheira continua lá, esperando que alguém enfie o braço até o cotovelo para esvaziar.

Quase seco, deito ao lado dela. Dorme. As curvaas agressivas escapam insinuantes do da toalha mínima, mas o desejo esbarra no resto da umidade que coça nas dobras do corpo. O lençol gelado que arrepia a espinha.

Apago as luzes. Ânsia de despertar pela manhã com a paixão de volta aos corpos secos.

...

Não consigo dormir.

18.6.07

hoje

Começo o dia muito pequeno para a casa vazia.

Por todos comodos não sei que procuro.

Fora, deslizo entre as pessoas, distante da sociedade em volta do almoço.

Nenhum livro. Os deveres mal-cumpridos.

Cinema para distrair e falar de arte.

No fim dormir e me perder entre os lençóis frios.

Sem vontade de pensar se a manhã virá ou não.

17.6.07

Sem motivo você conta

o que fez

sem nenhum sentido


sem sentir

diz

só eu sinto


agora vazio

você fala de livros


e eu que não consigo

5.4.07

No dia triste o meu coração mais triste que o dia...
Obrigações morais e civis?
Complexidade de deveres, de conseqüências?
Não, nada...
O dia triste, a pouca vontade para tudo...
Nada...

Outros viajam (também viajei),
outros estão ao sol
(Também estive ao sol, ou supus que estive).
Todos têm razão, ou vida, ou ignorância simétrica,
Vaidade, alegria e sociabilidade,
E emigram para voltar, ou para não voltar,
Em navios que os transportam simplesmente.
Não sentem o que há de morte em toda a partida,
De mistério em toda a chegada,
De horrível em iodo o novo...

Não sentem: por isso são deputados e financeiros,
Dançam e são empregados no comércio,
Vão a todos os teatros e conhecem gente...
Não sentem: para que haveriam de sentir?

Gado vestido dos currais dos Deuses,
Deixá-lo passar engrinaldado para o sacrifício
Sob o sol, álacre, vivo, contente de sentir-se...
Deixai-o passar, mas ai, vou com ele sem grinalda
Para o mesmo destino!
Vou com ele sem o sol que sinto, sem a vida que tenho,
Vou com ele sem desconhecer...


No dia triste o meu coração mais triste que o dia...
No dia triste todos os dias...
No dia tão triste...

Àlvaro de Campos - Nuvens
Temos consciência da nossa própria fraqueza mas não queremos resistir a ela e nos abandonar. Embriagamo-nos com nossa própria fraqueza, queremos ser mais fracos ainda, queremos desabar em plena rua, à vista de todos, queremos estar no chão, ainda mais baixo que o chão.
Milan Kundera - A insustentável leveza dos ser

21.3.07

“Sabe, Marco, ontem tive um sonho. Não foi um sonho bom, os lençóis molhados atestam, mas não era pesadelo. Eu deitado, ela vinha em sorridente fúria. Seus olhos se aproximavam. Aumentavam de tamanho conforme crescia o calor que irradiava dos lábios cada vez mais úmidos e brilhantes. A íris cor de mel era já como a vista de um mapa em alto relevo, cadeias de montanhas verdes entrecortadas por traços de um marrom avermelhado que seguiam para o imenso buraco negro no centro. Qualquer forma de pensamento era imediatamente sugada para desconhecido universo paralelo. Atravessei a córnea transparente e brilhante e fui arremessado bem do alto em uma planície verde deserta. Deserta? Eu a via ao longe, a cabeça inclinada em direção aos pés, em lentas passadas largas, sem dobrar os joelhos. Os fios do cabelo vermelho lhe caiam sobre a face, revelavam, de lado, apenas os lábios entreabertos, suspirava. Eu tentava gritar, mas o vento forte tornava tudo silêncio inquieto. Caminhei em sua direção, ela me avistou. Uma rajada jogou seus cabelos para trás, abriu sua boca em um sorriso. Saltitante ela veio em minha direção, ao encontro do abraço, apertado, a girar. Mas logo o vento cessou e chorava. E choveu. Escuro e frio. Mais forte, eu a apertava, contendo os soluços e absorvendo na camisa as lágrimas, mais molhadas que a chuva. Quando secaram, um beijo demorado quente no canto da boca devolveu todo o sangue para as veias. Depois, repousou as mãos sobre meus ombros, distanciando-se com um leve sorriso de compreensão, que logo caiu num súbito e morno desinteresse. O olhar fugiu, para baixo e para os lados. Caminhando lentamente me atravessou como se de fosse de espuma. Quando passou, meu estomago irradiou ácido gelado para resto do corpo. Ao fim da contração de dor, despreguei as pálpebras e estava em uma sala vazia, de luzes apagadas, um fim de tarde alaranjado. Olhei para trás: em um imenso sofá de plástico azul opaco, meio sentada, meio deitada,os mesmos olhos baixos de desinteresse, ela lia, lenta e relaxadamente, um livro escuro de capa vermelha. Caminhei em sua direção. Ao primeiro movimento ela me observou, e o olhar ficava mais atento a cada passada lenta e decidida. Quando meus joelhos encontraram os seus, ela se levantou, e seu olhar, que não desviava, já beirava temor. E estávamos assim, seus olhos bem abertos quase a encostar nos meus, quando ela desapareceu, sugada. Sozinho na sala já quase escura, eu a possuía em meus pensamentos.”

5.3.07

Piada

noite de um dia quente

nó da gravata na garganta

coração cansado


olhos do repetição

pensamento em outro lugar

quando é que foi,

que tudo se tornou tão frio?


acho que vou pedir demissão

comprar rosas pra ela

e dançar pelado no portão


ou não

26.2.07

Fome

Eram cinco ao todo e me consumiam com os olhos. Olhos de fome e depressão, da sujeira daquelas ruas, de rancor contido. Me incomodavam.

Porque não iam embora?! Porque não faziam alguma coisa ao invés de ficar só olhando com aquele sofrimento frio?! Porque não choravam, gritavam, e me atacavam furiosos?! Aquela passividade diante do insuportável, do insustentável, me esmagava as vísceras e fazia os punhos tremerem fechados, unhas cravadas na palma da mão.

A dor que me causavam estava me deixando parecido com eles. Contia meu ódio, me conformava com o desconforto. Só olhava de volta com rancor. Quando percebi isso, algo se apossou de mim. Senti meu rosto esquentar. Ofegava.

O ônibus entrou em um túnel, amplificando o barulho já desagradável do motor. O ônibus não tinha lâmpadas e as luzes enfileiradas do túnel faziam tudo piscar em clarões amarelados. Cobertos por sombras e contrastes que faziam aumentar sua feiúra, seus rostos impregnados de repugnância se repetiam em intervalos curtos. Iguais. Estáticos.

Algo quebrou dentro de mim. Me atirei sobre eles como um animal faminto que surge de uma moita em direção ao pescoço de uma presa distraída. Gritava e arremessava meus punhos fechados para seus rostos sujos em ondas de fúria desordenada. Eles nada faziam alem de se encolher, continuavam a me encarar com rancor passivo. Clarão e trevas se revezavam e congelavam as cenas daquele delírio de ódio sem sentido em fotografias de um espetáculo feio e triste.

Quando saímos do túnel, o ar ficou claro e frio e eu já não tinha forças para bater. Minhas mãos, o chão e os assentos; tudo coberto de sangue. Não conseguia mais enxergar seus rostos. O ônibus parou e eles se arrastaram para fora.

Engatinhei até um dos assentos e sentei devagar com a cabeça encostada no vidro. Senti o corpo todo gelar e se dissolver na neblina pálido-azulada que se formava do lado de fora.

Estava gasto. Havia me consumido.
Ela me tira o sono.

Agradeço por todas as noites

que ela me tira o sono!

24.2.07

O ovo

"O ovo, então, começou a falar, com uma voz angelical, com Isabel:
_Linda garotinha, você foi a única que me deu valor e interessou-se por mim. Vim aqui para realizar um desejo da pessoa que conseguisse me olhar com os olhos mais belos e puros do mundo, com olhos de criança, olhos inocentes...
"

Mariana Salomão Carrara

23.2.07

Ctrl + ...

Quando eu era jovem e não tinha o peito cabeludo, jogava videogame. Adorava o mecanismo de salvar. Quando estava receoso de que o herói morreria, eu salvava o jogo.

Salvar: alguns comandos e eu tinha o poder de reverter a qualquer momento para o espaço-tempo onde me encontrava.

Antes de qualquer desafio salvava o jogo: para enfrentar o chefão: salvava; Não sabia qual era o caminho certo – salvava; ia tentar algo inovador e arriscado – salvava; "não aguento mais jogar, não vou conseguir nunca" - salvava e tentava depois, mais descansado.

Sonhava que se encontrasse a lâmpada do gênio, ia pedir um aparelho pra poder salvar a vida.
Salvar – a minha vida.

Assim eu ia poder ousar. Fazer coisas absurdas, insensatas, risco de vida. Se nada desse certo, era só reverter pro jogo salvo. Ia ficar rico, poderoso: conheceria o futuro e voltaria no momento salvo para conseguir vantagens do tipo ganhar na mega-sena.
Desenvolvi teorias elaboradíssimas sobre isso.

Esecrever é assim também. Escrevo, salvo, revejo, se não gosto: Ctrl + Z. Paro, descanso e mudo tudo depois.

Escrevendo sempre se pôde, mas nem por isso me tornei um grande escritor.
E, mesmo com o poder de salvar, nunca cheguei ao fim da maioria dos jogos de videogame que já tive.

Quantos textos bons eu já estraguei tentando melhorar depois!
Quanto tempo eu desperdicei jogando videogame!
Quanto eu já perdi na vida por ter medo que o herói morresse!

Temp

Quando voltava pra casa pelo lugar onde penso nela e escrevo, o céu da madrugada estava limpo, levemente avermelhado, porém calmo. Limpo e seco.

Mas eu via uma tempestade. Via nuvens volumosas de chumbo e relâmpagos que revelavam em estrondos ameaçadores a transparência de água que flutua em agitação.

O ar ficou elétrico e úmido e as ruas fizeram silêncio.

Uma tempestade de chumbo transparente flutuava sobre minha cabeça, pronta para cair com ventos que enchem os olhos de poeira, gotas grossas assustando as pessoas da rua, raios e trovões, acidentes de trânsito, beijos de paixão encharcada, notícias terríveis das enchentes, cobertores quentes e abraços apertados.

O ar estava cheio de eletricidade silenciosa, o vento soprava lento e forte, gotas de chumbo transparente flutuavam agitadas sobre minha cabeça - mas ainda não chovia.

Um ônibus veio calmo em minha direção. No letreiro de luz dourada: LARGO S. FRANCISCO.
Virou a esquina em que estava e o barulho feio do motor desfez o silêncio da tempestade.

Essa noite não choveu,
mas segunda feira começam as aulas.

12.1.07

12:51

Talk to me now I'm older
Your friend told you 'cause I told her
Friday nights have been lonely
Change your plans and then phone me.

We could go and get 40s
Fuck goin' to that party
Oh really, your folks are away now?
Alright, let's go, you convinced me.

12:51 is the time my voice
Found the words i sought...
Is it this stage I want?
The world is shutting out...0for us.
We were tense for sure,
But we was confident...

Kiss me now that I'm older
I won't try to control you
Friday nights have been lonely
Take it slow but don't warn me

We'd go out and get 40s
Then we'd go to some party
Oh really, your folks are away now?
Alright I'm coming...
I'll be right there.

Strokes

5.1.07

Como sempre


Fazendo o caminho de sempre, da volta pra casa, passava distraído sob aqueles andaimes que brotaram na calçada em frente àquela construção.
Uma gota da água da chuva que se acumulara sobre a madeira suja caiu no meu ombro. Num primeiro momento nem liguei, continuei andando. Mas, aos poucos, se apossou de mim a idéia de que aquela gota poderia ter escorrido de um ser que estaria grudado na parte de baixo da plataforma de madeira, feito um monstro de filme de ficção barata, aguardando silenciosamente alguém para dar o bote.
Era desses temores absurdos, sem o menor sentido. A gente para de acreditar na infância mas nunca deixa de temer. E por um momento tive certeza de que, se olhasse para trás, veria seu corpo esguio pegajoso e olhos brilhantes enfurecidos, prontos para me matar por ter percebido sua presença.
Mas a certeza passou e olhei para trás: tudo que vi foram dois faróis, que tudo iluminavam tranquilamente, ao longo da rua, vindo em minha direção.

E quando o carro passou do meu lado, meio devagar para fazer uma curva na próxima esquina vi minha silhueta refletida nos vidros das janelas, e lembrei que tinha cortado o cabelo. Lembrei que, como sempre, havia esperado meses e deixara crescer uma juba desgrenhada antes de tomar uma atitude.
Mas dessa vez eu disse pro moço das tesouras que queria deixar mais comprido, que era só pra dar uma ajeitada, pois tem gente que acha mais bonito assim.

E pensando que estava mais bonito assim, continuei o caminho feliz: teria algo a dizer, mesmo que não fizesse muito sentido.